segunda-feira, 27 de julho de 2009

Caro Amigo

Meu avô paterno morreu quando eu tinha apenas 3 anos. Não me lembro dele, mas minha mãe me diz que ele era um senhor muito distinto, muito elegante. Andava sempre de terno. Usava chapéu. Tinha boas maneiras. Imigrante, saiu de Kyoto em busca de uma vida melhor. Também ele passou por guerras e pelas consequências destas. Chegou ao Brasil. Casou. Teve filhos. Trabalhou em cooperativa.

Quando do casamento de minha mãe, neta de italianos, foi o único na família a recebê-la de braços abertos.Quando nasci, diz-se que minha avó comentou: "Papai nunca deu presente para nenhum filho ou neto. Yara foi a única". Segundo minha mãe, foi um chocalho e uma bruxinha. Pena que se perderam.

Ele dizia a minha mãe: "Tem que ter mais filho, né? Quem tem um, não tem nenhum".Ele não viu meu irmão nascer. Teria ficado muito feliz.

Partiu aos 63 anos. Dizia que não havia enriquecido porque sempre trabalhara honestamente. Deixou o que as pessoas ricas de espírito deixam: honra, respeito, retidão.

Com carinho, Yara.

domingo, 26 de julho de 2009

Caro Amigo

A mesa simples, mas farta, com café e leite quentinhos. Leite tão gordo que eu tirava a nata com a colher. Manteiga de tablete, que derretia no filão. Filão de pão... Era esse o café da tarde na casa de minha avó.


Eu não via a hora das férias chegarem para passar uns dias com meus avós no "morro" (era assim que a gente chamava o lugar, uma ladeira de tirar o fôlego, literalmente). Era o momento de brincar com outros amigos, jogar cartas com a minha avó, explorar o barracão que meu avô mantinha no quintal, brincar à noite na rua tendo os olhos atentos dos dois, enquanto conversavam com os vizinhos em cadeiras na calçada.


O jardim de minha avó era um mundo a parte. Os pés de azaléia estavam sempre carregados de flores lilases, brancas e cor-de-rosa; havia uma pequena boca-de-leão amarela que me encantava; as rosas pareciam enormes nas minhas mãos; os lírios; copos-de-leite; palmas...


Uma coisa que me maravilhava era ver minha avó costurar. Seus pés rapidinhos embalando o pedal e a mão brecando a roda da máquina. A caixa de costuras era um baú do tesouro, com botões, miçangas e canutilhos brilhantes. Quando chovia, eu passava as tardes fazendo crochê com minha avó, ouvindo música do seu tempo nos discos de 78 rotações.


Meus avós sempre tiveram um carinho enorme por meu irmão e por mim. Nos mimaram, mas não nos "estragaram", pois sempre ensinaram o que era certo e o que era errado. Meu irmão era ninado com "Que anjos são esses que andam rodeando, de noite e de dia, Padre Nosso, Ave Maria", cantada por meu avô.


Estou escrevendo isto porque hoje é o Dia dos Santos Joaquim e Ana, avós de Jesus. Hoje é o Dia dos Avós e eu me sinto honrada em ser neta de pessoas íntegras, honestas, que passaram por guerras, por privações, por muita labuta, mas que tiveram dignidade em transmitir aos descendentes os valores e as virtudes de uma vida correta.

Graças a estes dois anjos guardo as melhores lembranças de minha infância.


Com carinho, Yara.

domingo, 19 de julho de 2009

Caro Amigo

Hoje é o Dia do Futebol e amanhã é o Dia do Amigo, e eu gostaria de lembrar esses dias com uma estória sobre meu avô que minha mãe sempre nos conta. É bem simples.

Um dia, um amigo do meu avô o levou para assistir a um jogo de futebol. Até aí, nenhum espanto. Porém, esse amigo estava muito doente e não tinha muito tempo de vida. Naquele dia, meu avô se surpreendeu ao vê-lo, mesmo debilitado, torcer com tanto entusiasmo, com tanta paixão pelo seu time.

Essa emoção calou tão fundo, que a partir daí meu avô deixou seu Sport Club Ipiranga e se tornou um fervoroso palestrino.


São coisas que meu avô nos deixou de herança: o amor pelo Palmeiras e o respeito e a admiração pelos amigos.
Com carinho, Yara.

quarta-feira, 8 de julho de 2009

Caro Amigo


Esta história meu avô contou a minha mãe, que nos contava quando éramos pequenos. É a história de Santa Isabel. Santa Isabel da Hungria, comemorada em 17 de novembro, não Santa Isabel, rainha de Portugal, comemorada em 4 de julho. Também conhecida como Santa Elizabeth (Isabel derivaria deste nome), nasceu em 1207, na Hungria e casou-se com um nobre da Turíngia.É uma história que guardo até hoje, com carinho, como tantas histórias da minha infância.


As Rosas de Santa Isabel


Há muitos e muitos anos, no reino da Hungria, o rei e a rainha tiveram uma filha que se chamou Isabel. A princesinha era tão bondosa e gentil que o povo a amava muito. Tinha sempre um sorriso e uma palavra amável para todos e, já crescida, procurava melhorar a vida das pessoas.

Na idade apropriada, casou-se com um nobre chamado Ludwig e foram morar na Turíngia, uma região da atual Alemanha. Ludwig era sério, calado, bem mais velho que Isabel, e a intimidava um pouco. Mas se amavam muito. Tiveram quatro filhos, e seu castelo era cheio de alegria.

Além de cuidar da família, Isabel continuava a se interessar pelos menos afortunados e fazia tudo para ajudar as pessoas em aflição. Mandava alimentos para as famílias mais necessitadas, ia em pessoa levar uma palavra de conforto aos doentes.

Apesar de admirar a generosidade da esposa, Ludwig não aprovava que ela frequentasse as pessoas comuns. Achava indigno de uma princesa andar pelas ruas junto com servos e camponeses, e as missões caridosas da mulher nem sempre o agradavam.

Um dia de inverno, Isabel aproveitou que Ludwig tinha ido à caça com amigos nobres e saiu em meio à neve para visitar uma família muito pobre. Levava sob o manto vários pães, tantos quantos conseguia carregar. Curvada ao peso dos pães, caminhava com dificuldade descendo a colina pela estrada coberta de gelo. Não ousava erguer os olhos do chão, temendo perder o equilíbrio. Finalmente, com um suspiro de alívio, chegou à base do monte. Levantou os olhos e, com grande surpresa, viu o marido e os amigos voltando da caça mais cedo do que esperava.

Isabel parou, subitamente ruborizada. Teria saído da estrada para se esconder no bosque, mas não havia mais tempo. Logo os cavalos a tinham alcançado e os cavaleiros olhavam, entre intrigados e divertidos, a princesa no meio da neve, apertando o manto contra o corpo.

O marido sorriu com ternura e cavalgando a passo a seu lado, perguntou:

-Aonde está indo, querida?

Isabel não sabia o que dizer. Ludwig se aborrecia com seu hábito de sair desacompanhada para visitar os pobres e doentes em cabanas miseráveis, e ela não queria envergonhá-lo na frente dos amigos. Encolheu-se e segurou os pães mais perto do coração enquanto procurava uma resposta.

Ludwig percebeu a hesitação da esposa e perguntou, já com o cenho franzido:

- O que você está carregando sob o manto, que a faz andar tão curvada?

Ouvindo essa pergunta, os cavaleiros se aproximaram, ainda mais curiosos.

Cada vez mais embaraçada, Isabel ergueu o olhar para o marido. Sabia que os nobres cavaleiros ririam com desdém se ela dissesse a verdade e não queria despertar o desprezo deles. Sem mesmo pensar no que dizia, a palavra lhe escapou:

- Rosas!

Suas faces coraram no instante mesmo em que falou, pois sabia que era impossível. Daria tudo para ter coragem de admitir que havia mentido, mas, prevendo a risada dos caçadores, ficou em silêncio.

Atônito, Ludwig via que alguma coisa estava acontecendo e adivinhou a verdade. Só não se deixou levar pela compaixão por temor de ser ridicularizado pelos amigos. Inclinando-se na sela, disse em tom firme:

- Deixe-me ver.

E, tomando a gola do manto, abriu-o completamente.

Então um milagre aconteceu: nas dobras do manto, não encontrou os pães que Isabel esperava ver, mas rosas! Belas rosas frescas, vermelhas e brancas, em pleno inverno. A doçura do verão encheu o ar da mais rica fragrância.

Fez-se silêncio total. Ludwig olhou por um momento o rosto de Isabel e, tomando uma rosa vermelha de dentro do manto dela, colocou-a na lapela, junto ao coração. Inclinou-se para beijar a mulher, dizendo ternamente:

- Siga seu caminho, meu amor.

Retornou com os demais ao castelo, deixando Isabel muda de surpresa na estrada gelada, olhando a braçada de rosas que carregava.


Muito bonita, não? E é por isso que Santa Isabel é padroeira dos padeiros.

Essa versão eu encontrei no "Livro da Virtudes" II, de William J. Bennett, pela Editora Nova Fronteira, mas meu avô narrava a sua versão tão bem que só ele poderia contar.


Com carinho, Yara.

sexta-feira, 3 de julho de 2009

Caro Amigo

Às vezes a gente se pega pensando na idade... Nos anos que se carregam nas costas. Ou no rosto... As pessoas se preocupam tanto com o aspecto físico, que deixam o essencial (a alma, o emocional, o interior ou o nome que você quiser dar) de lado. É preciso perceber a beleza em todas as idades. Perceber que sempre ganhamos algo. Tá bom, você deve estar rindo, pensando que ganhamos, sim! Ganhamos rugas, quilos, cabelos brancos... Mas ganhamos também experiência, paciência, sabedoria. Acho que é como apreciar um quadro: quando jovens, vemos somente um detalhe; com a maturidade, vemos o quadro todo.
Guardei um texto muito interessante que aborda esse tema. Foi publicado no Jornal da Tarde, pelo psiquiatra e psicoterapeuta Auro Danny Lescher:
Vista cansada
A vista cansada, ou presbiopia, é condição inexorável entre terráqueos de ambos os sexos. Caracteriza-se pelo enrijecimento da lente do olho que se chama cristalino. Isso ocorre lá pelos 40 anos de vida, por conta do desgaste dos minúsculos ligamentos e musculatura responsáveis pela movimentação dessa lente na busca do adequado foco. Para obter alguma nitidez de visão de objetos que se encontram próximos aos olhos, como, por exemplo, na leitura de um livro, a presbiopia impõe ao quarentão a necessidade de fazê-lo com os braços estendidos.
É uma limitação, sem dúvida, mas nada que o uso daqueles charmosos óculos estreitos não resolva.
Espanta-me a natureza. Ocorre que a perda da acuidade visual é contemporânea à aquisição de uma capacidade de visão de mundo que só a vasta quilometragem rodada permite.
A crise dos 40 é uma crise de crescimento. Propõe o balanço geral da primeira metade da vida e lança as bases do que acontecerá na metade seguinte. Tem o gosto amargo que acompanha a desconstrução de idealizações do mundo e de si mesmo, próprias da juventude, mas permite a conexão com o mundo (interno e externo) de uma forma mais realística. Já deve existir um razoável mapeamento das próprias potencialidades e limitações. Mas atenção! Isso não significa que ficamos privados da capacidade de encantamento, muito pelo contrário. O lema dos 40 é, ou deveria ser: menos e melhor, de sexo a arroz e feijão.
Muito bom, né?
Você costuma pensar na idade, meu amigo?
Espero uma resposta sua.
Com carinho, Yara.